Já publicamos em “Oliveiras pelo mundo: Espanha” muitas informações sobre esse país que é líder em muitos números ligados a Olivicultura no mundo.

Bandeiras dos reinos isolados antes da unificaçao e a bandeira atual da Espanha

Então por que escrever de novo sobre o mesmo país? Porque a muito a ser dito. Uma única publicação não seria o suficiente quando falamos de olivicultura na Espanha. Buscaremos não repetir o já dito o máximo possível, desde que o assunto tratado não fique fora de contexto.

Essa primeira publicação inaugura uma nova série de “Caso de Estudo”, onde figuraram apenas os maiores ou mais interessantes produtores de azeitonas – azeite e azeitona de mesa – do mundo.

Começaremos com uma visão sucinta da posição do país no mundo da oliveira. Então começaremos uma jornada pela história da criação do país, sempre associando, quando possível, a trajetória da olivicultura localmente. Por fim uma análise ampla do passado recente, presente e perspectiva futura da cultura no país.

Importância da olivicultura na Espanha

A oliveira é um elemento fundamental para o meio ambiente de uma grande parte da Espanha. Faz parte de um bioma que envolve várias espécies da fauna. Sua resistência à seca faz com que, em conjunto com a videira, seja a única cor verde na paisagem no verão da península, além disso evita a erosão do solo, resistindo até mesmo a incêndios. Logo é uma barreira natural a desertificação.

Ela assumiu esse papel na península Ibérica muito antes do país conhecido hoje como Espanha existir. Antes da região possuir uma identidade nacional, os Fenícios e Gregos já praticavam o comércio na região.

Seus frutos, folhas e madeira possuem incontáveis aplicação na facilitação da vida humana, tanto quanto os benefícios a saúde do azeite extraído sob pressão de seus frutos. A propósito é a ÚNICA gordura no mundo extraída por meio de pressão.

Dimensões da cultura

A Espanha possui a maior área plantada com oliveiras do mundo. Em 2018 foi declarada uma área de 2.579.001 hectares (FAOSTAT), ou ainda 25.790,01 quilômetros quadrados. Uma área entre o estado de Alagoas (27.778,5 Km²) e Sergipe (21.915,1). Outra forma de entender a extensão dessa “nação de oliveiras” é saber que representa 24,53% de todos os olivais registrados do mundo, ou ainda 4,33% de todo o território espanhol que é de 505.990 Km².

Crescimento da ÁREA DE COLHEITA x PRODUÇÃO DE AZEITONAS

Partindo do ano de 1981 a data recente, o crescimento da produção de azeitonas cresceu sensivelmente mais do que a área de colheita. Isso se deveu a alguns fatores:

– Melhora no manejo dos olivais – Evolução no tratamento da terra, como adubação, poda, prevenção e defesa de pragas, etc..

– Aumento da densidade dos olivais. As plantações tradicionais, de baixa densidade, em média 200 árvores por hectare, por olivais intensivos e superintensivos, plantações com 500 árvores por hectare ou ainda mais.

O começo do cultivo da oliveira

A origem do cultivo das oliveiras vem da época da fixação do homem a terra pela agricultura. A área é conhecida como crescente fértil, quando provavelmente a espécie de oliveira mais utilizada (Olea europaea L. ssp. Sativa) foi criada, provavelmente a partir do cruzamento de uma espécie africana e uma oriental. Isso entre 11.000 e 6.000 anos atrás. Já o início do cultivo da oliveira é considerado como sendo na “Ásia Menor” ou “Anatólia” a 6.000 (talvez 7.000) anos atrás (De Candolle).

A alegação de algumas fontes que informam que em paralelo a domesticação das oliveiras, sua espécie “silvestre” estivesse se espalhando pelo norte da África, Península Ibérica, Grécia e outras regiões, é apoiada por vestígios arqueológicos, contudo a domesticação citada acima na Ásia menor é que viabilizou seu cultivo e o surgimento de diversos cultivares adaptados a vários locais com características tão diversas.

A variedade domesticada da oliveira muito provavelmente através do Sudeste do Mediterrâneo. Mytilene perto de Sinope e Armênia já possuía plantações de azeitonas ainda na antiguidade. Segundo o testemunho de Strabo e, na Armênia, segundo o livro da Gênesis, que uma das pombas que Noé libertou de Arca, carregou um ramo de oliveira colhido no Monte Ararat (Rosenblum, 1997).

Crescente Fértil
Crescente Fértil

Observação: O Crescente fértil existiu graças ao transbordo dos rios Eufrades, Nilo e Tigre que depositavam nutrientes em suas margens. Essa condição mudou o status do homem de nômade para sedentário, estabelecendo as bases para a civilização e criação das primeiras “cidades Estado”. Os assentamentos mais antigos conhecidos são: Iraque Edube (Jordânia) e Tel Assuade (Síria). Posteriormente observa-se Jericó, atualmente uma cidade palestina, situada na Cisjordânia, às margens do rio Jordão. Curiosidade: é a cidade com a menor altitude do mundo: 270 m abaixo do nível médio do mar, e a mais antiga ainda existente com 10.000 anos.

A despeito da fixação do homem na terra e o início do cultivo das oliveiras, existe evidência do uso das mesmas em registros arqueológicos que remontam a 12.000 anos, durante o paleolítico superior.

Ocupação da Península Ibérica

Evidências arqueológicas fazem-nos crer que a Península começou a ser ocupada durante o período Neolítico.

Neolítico (do grego néos, novo, e lithos, pedra, “pedra nova”) ou Período da Pedra Polida é o período histórico que vai aproximadamente do X milênio a.C., com o início da sedentarização e surgimento da agricultura, ao III milênio a.C., dando lugar à Idade dos Metais…

Wikipedia

Os pioneiros chegaram à Península pelo Mar Mediterrâneo. Traziam o conhecimento de diversas partes do mediterrâneo, em especial o cultivo de sementes.

Região provável de início de povoamento da península Ibérica

O principal momento de ocupação se dá em torno de 5.500 anos a.C., e a partir desta um movimento de ocupação em direção a oeste. Acredita-se que a “ocupação de toda península” tenha demorado 2.000 anos.

Foram moradores de cavernas na maioria das vezes. Ainda no período Neolítico desenvolveram várias ferramentas como enxadas, cerâmicas, foices, moinhos manuais dentre outros. Já na idade dos metais as cavernas foram sendo abandonadas, passando a construção de habitações mais seguras. Também ocorreu o aumento da atividade agrícola baseada e cerais e um pouco em leguminosas. A criação de animais continuou, mas de forma menos intensa. Também foi um momento no qual começaram a cortar madeira para diversos usos, dentre os quais construção e queima para aquecimento e produção de metais. Também foi a época provável da introdução das primeiras oliveiras.

Povos penínsua Ibérica antes dos Romanos
Povoamento Península Ibérica pré-romanos

As primeiras oliveiras da Espanha

No período entre 1.500 a 300 a.C. os Fenícios vieram-se forçados a expandir sua zona de influência por conta do crescimento de suas cidades. A estrutura socioeconômica de sua sociedade facilitou o intercâmbio entre os povos locais, principalmente onde estabeleciam colônias. Dentre as trocas, a oliveira foi amplamente difundida no Mediterrâneo.

Cidades e rotas fenícias
Rotas comerciais e cidades Fenícias

A principal cidade, fundada pelo Fenícios, para o comércio no Mediterrâneo até o século III a.C. era a cidade-Estado de Cartago. A mudança ocorreu com o crescimento do Império Romano que, através das Guerras Púnicas* entre 264 e 146 a.C. destruiu a cidade de Cartago e dominou o comércio no Mediterrâneo.

*Púnicas vem nome dado aos cartaginenses pelos romanos: “Punici”, “vindo de Poenici”, ou seja: Fenícia.

Não nos esqueçamos dos Gregos…

Em paralelo expansão e ao comércio Fenício, os Gregos também realizaram uma expansão de sua cultura e comércio no Mediterrâneo entre os séculos VIII e VI a.C. (750 e 550 a.C.). Aparentemente também tiveram participação na difusão da olivicultura onde se estabeleceram, principalmente porque em muitos casos a fundação de novas cidades tornar-se-iam cidades-estados independentes da metrópole por razões diversas.

Rotas comerciais gregas
Colonização Grega

A imagem acima refere-se ao século VII a.C.. Posteriormente no século IV a.C., Alexandre o Grande realizaria uma expansão relâmpago, mas com menor impacto na difusão da cultura Grega. Sim, a Macedônia era Grega, e em parte ainda é. Vide mais em “Oliveiras pelo Mundo: Macedônia do Norte”.

Alavancagem da olivicultura na Península Ibérica como colônia de Roma.

Com o Império Romano controlava territórios conquistados com alguma parceria com as instituições locais. Era uma forma de minimizar conflitos, mas isso não significa que não taxassem o comércio e exigissem tributos.

Ainda assim a ocupação da península Ibérica em 212 a.C. não foi conturbada, pois os “locais” viam na ocupação por Roma a organização e estrutura que não tinham antes.

Como as oliveiras não eram desconhecidas na Península Ibérica, apesar de pouco cultivadas, mas mesmo logo após a tomada do território pelo Império Romano a “Hispânia” não iniciou de imediato a expansão dos olivais, muito menos a exportação a Roma do azeite, pois existia uma lei que proibia a importação de azeite que não fosse de determinadas regiões da Itália atual.

Com o aumento da demanda e risco de desabastecimento, no final do século I a.C. essa restrição foi revogada.

Publius Cornelius Scipio Africanus, houve o incremento do cultivo e produção de azeite visando atender Roma, e ainda que a tecnologia de extração de azeite da época não era muito eficiente, uma nova infraestrutura foi construída.

Representação de um lagar e prensa de “viga” da idade média. Ambos romanos.

Por questões climáticas e de solo a maior parte da agricultura foi centrada em Guadalquivir, na Andaluzia, que dividiu seu território com a vinicultura e cereais.

As oliveiras foram plantadas ao longo da margem esquerda da margem do rio Beatis, nome antigo do atual rio Guadalquivir, pois os seus terrenos eram mais rochosos, seguindo o aconselhado por Plínio, o Velho. As oliveiras foram plantadas a uma distância mínima de 17,6 metros entre cada árvore, pois no espaço entre cada árvore poderia ser cultivado cereais. Também observamos a introdução do o arado romano, o pousio e a introdução da rega.

Atividades econômica na Hispânia
Atividades econômicas na Hispânia romana- Destaque para olivicultura

Diferentemente da maioria dos locais hoje em dia, as azeitonas eram colhidas quando totalmente maduras, pois acreditava-se obter um azeite melhor. O azeite era escuro com tons de verde, amarelo ou dourado.

Cores do azeite
COres do azeite variando com a maturação da azeitona

Em comum tinha-se a orientação de espremer as azeitonas em até 24 horas após a colheita. Então o azeite era “limpo” (filtrado de forma rústica) e posto a descansar entre jarras alternadas. Provavelmente em um processo de decantação.

Os métodos de extração ainda eram baseados na força animal, para esmagamento das azeitonas, e braços de força.

Moinho de azeite
Moinho movido a força animal
Extração azeite
Processos básicos extração azeite

As principais fontes de fornecimento de azeite para Roma eram a Península Ibérica e o Norte da África, mas o azeite Espanhol desfrutava de destaque, a ponto do imperador Adriano (117–138 d.C.) ter adotado como estandarte da Roma Hispânica o ramo de oliveira.

Os números relativos à produção e consumo de azeite hispânico por Roma não é claro. Estima-se que o consumo era de 20 litros per capita por ano. Isso não apenas em Roma, pois no século II d.C. habitavam em Roma de 800 mil a 1 milhão de pessoas, mas em todo império o número estimado é que poderia chegar a 60 milhões de pessoas. A grande maioria não era romana, mas além de cada soldado receber uma cota de azeite (algumas fontes indicam 1 litro por ano, mas outras chegam a números muito maiores) havia também por todo império a tentativa das pessoas querem viver de forma parecida com o cidadão romano, inclusive na alimentação e tratamento corporal.

Banho Romano na Hispânia
Banho romano com aplicação de azeite

Considerando apenas o consumo da capital, o volume pode ter chegado a 20 milhões de litros em um ano, ou seja: aproximadamente 18,5 toneladas de azeite. Apenas em ROMA em um ano. Desse volume, provavelmente mais da metade era oriunda da península Ibérica (Baética): aproximadamente 80% do total, sendo 17% do norte da África e 3% da Gália, península itálica e oriente.

Áreas da Hispânia
Império romano e áreas produtoras de azeite na Hispânia

Outro fator que fortaleceu o consumo de Roma e a produção nas colônias foi a política de “Pão e Circo”, pois durante o reinado do Imperador Sétimo Severo, alguns indicam como tendo sido determinação do imperador Adriano (117 a 138 d.C.), o azeite foi acrescentado à cota dos alimentos fornecidos aos cidadãos romanos. Aproximadamente 12 litros para cada um dos 1,5 milhão de habitantes. A fidelidade dos pebleus era assim comprada. O sistema era conhecido como Annõna, que significa “previdência social romana”.

Alguma coisa parecida com a distribuição de auxílios populistas atuais que só fazem aumentar a dependência de um número enorme de pessoas do Estado, assim como aumentam a carga sobre a população produtiva. É claro que só pode dar errado…

O transporte e as ânforas – Volume fornecido a Roma

Todo azeite produzido na península Ibérica, especificamente Baetica, era levado a Roma por via marítima, pois dado o volume e distância não faria sentido ser via terrestre. Ficaria sujeito a degradação e “desvios”, além de ser mais caro.

A grande maioria das ânforas eram do tipo “Dressell 20” que pesavam 30 Kg e transportavam 70 litros de azeite cada. Contudo eram apenas para transporte, pois ao chegarem a Roma via porto de Ostia, principal meio de suprimento de Roma, as ânforas eram abertas e seu azeite distribuído em recipientes menores.

Ânforas de azeite - Dressel 20
Modelos de ânforas e método transporte

Algo que comprova o imenso tráfego de azeite entre a península Ibérica e Roma é o “Monte Testácio” ou “Monte dei cocci”.

Monte Testácio ou Monte dei cocci
Monte Testácio

Trata-se de um morro artificial com 40 metros de altura e 20.000 metros quadrados de base formado por ânforas descartadas do comércio de azeite, o que demonstra a preocupação dos administradores com o descarte e não reutilização das ânforas.

Estima-se a quantidade de 54 milhões de ânforas (vasilhames de barro com capacidade para 70 litros em média). Apenas nos séculos II e III, saíram 25 milhões de ânforas de Sevilha com destino ao porto de Ostia. Logo estima-se o transporte de 3,78 bilhões de litros de azeite, mas esse número varia conforme as estimativas e fórmula de cálculo são feitas, contudo a menor estimativa é de 6 milhões de litros por ano, totalizando 1,5 bilhões de litros. É importante frisar que na grande maioria das ânforas vinha descrito a origem e qualidade do azeite, bem como eram seladas para evitar a falsificação.

Modelo Dressel 20 e "Cemitério de Ânforas"
Modelo de ânfora Dressel 20 e depósito de ânforas usadas – Monte Testácio

Observação: As ânforas eram utilizadas apenas uma vez, pois o azeite residual estragaria um novo azeite colocado nelas, assim como o odor do azeite velho inviabilizava outros usos para as ânforas.

Legado Romano para Espanha

Não apenas na olivicultura e extração de azeite os romanos foram importantes, tanto na tecnologia de extração, como na teoria aplicada a agricultura. Ficaram como legado inúmeras obras de infraestrutura, dentre elas aqueodutos, pontes, foros, anfiteatros, teatros e “circos”.

Além disso a construção de vias na península não só facilitou a circulação dos soldados do império, mas principalmente o escoamento da produção aos portos de embarque dos produtos agrícolas e azeite.

Legado romano a Espanha
Teatro de Mérida e aqueoduto de Segova
Estradas romanas na Espanha
Estradas, cidades e portos século IV. Legados romanos.

A retração do império Romano e a chegada dos “bárbaros”

Até 409 d.C a administração da região – Sul da Espanha atual – permaneceu sob administração de Roma. Contudo no século V ocorreu o colapso do império. Oportunamente ocorreram ataques dos povos que eram chamavados de “bárbaros”. Na península Ibérica não foi diferente e a mesma foi invadida por “Federados”, “Suevos” e “Visigodos”, mas a região continuou a ser conhecida como Hispânia.

Movimentação dos "bárbaros"
Movimentos dos povos chamados de Bárbaros na Europa

Quem eram os principais “Bárbaros”

  • Federados: Povos identificados desde os primórdios da História da República Romana. Eram tribos associadas a Roma por tratado (foedus), mas que não tinham foro, nem de colônia romana nem de cidadania romana (civitas).
  • Suevos: Grupo de povos germanos. Parte destes migraram a Hispânia durante as “invasões bárbaras”. Fundaram um reino na que região romana conhecida como Galécia (atual norte de Portugal e Galiza). Este reino durou de 409 a 585 d.C. quando foram dominados pelos Visigodos.
  • Visigodos: Foram um dos dois ramos do povo conhecido como Godos. O outro ramo era o dos Ostrogodos que ocuparam a Europa mais ao leste. Eram de origem germânica. Os dois ramos eram conhecidos como “bárbaros” pelo império romano. Com a queda do império romano foi o principal novos ocupantes da Península Ibérica – Hispânia. Reinaram de 418 a 711 d.C., quando ocorreu a invasão mulçumana.
Área Visigoda e outros bárbaros
Divisão da península Ibérica durante ocupação Visigoda

Olivicultura na era “Bárbara”

Não é relatado nenhuma melhora do cultivo ou extração de azeite na época da ocupação Visigoda. Contudo, tal como na Itália ocupada pelos “Bárbaros” havia uma propensão ao maior consumo de gordura de origem animal, sendo essa propensão seguida em todos os territórios ocupados pelos povos descendentes dos Godos. Vide “Oliveiras pelo Mundo: Itália

Mesmo assim são relatadas leis que protegiam as oliveiras, punindo quem derrubasse alguma sem autorização. Apesar disso é reportado uma redução dos olivais na península certamente pela não valorização do consumo do azeite, mas em seu lugar a gordura animal, conforme descrito acima. Ainda assim os habitantes remanescentes da península e os invasores Visigodo mantinham a sua disposição o azeite de oliva em sua dieta.

Culinária Visigoda
Refeição visigoda com azeite

Dentre os povos “bárbaros”, os visigodos eram os mais “romanizados” dos povos, inclusive mantiveram o sistema legal romano. A produção dos produtos agrícolas era igual ao do tempo de domínio romano (feudal), mas o destino deixou de ser Roma.

…nenhuma ordem existia no campo, nenhuma distinção
entre romanos e bárbaros: todos viviam misturados, nem haviam quaisquer registros mantidos dos alistados entre os soldados… …Como resultado, os militares foram a única instituição na qual os visigodos elevaram-se na sociedade sem reclamação romana. O militar tornou-se um amálgama de diferentes das demais pessoas das tribos bárbaras e Romanas. Os soldados visigodos viveram e trabalharam entre os romanos soldados, e aprenderam com a observação…

Zósimo

Até mesmo a religião se aproximava da católica, oficial em Roma desde 380 d.C., mas em uma forma diferente chamada de “Arianismo”, o que para os fundamentalistas era classificada como heresia. O ápice foi com o Rei Visigodo Recaredo I (586 a 601 d.C.) que em 589 convocou o III Concílio de Toledo – capital visigoda – e abandonou o arianismo, convertendo-se ao catolicismo.

Observação: O conceito do “Povo Ariano”, inclusive a adoção da Suástica, pelo 3º Reich – Facismo Alemão que resultou na 2ª guerra mundial, foi mais uma das distorções que gerou os absurdos da época. Os monstros que lideraram a carnificina, o holocausto, provavelmente sequer tinham noção da cultura Ariana de fato, inclusive reconhecendo Cristo como um “grande homem”.

Fase mulçumana

Após a invasão da Península Ibérica pelos árabes e destruição do reino Visigodo (que já andava “mal das pernas”), ficaram distintos 3 períodos na história da península.

1º período (711 – 756): Invasão muçulmana da Península Ibérica e estabelecimento de um emirado dependente do Califado de Damasco;

Obs.: Emirado é um território controlado por um “Emir”.

2º período (756 – 1031): Sob o comando de Abderramão I, a partir de 756 o emirado tornou-se independente. Foi estabelecida Córdoba como capital, passando em seguida ser considerado como Califado de Córdoba em 929. Os emires passam a ser “califas”.756 – 929 – Abderramão III.

3º período (1031 – 1492): Início do período de anarquia movida pela ambição do alto escalão militar. Foi o fim do califado e início da República, logo a criação de vários estados independentes, o que facilitou o movimento de retomada da Península pelos cristãos.

Os dois primeiros períodos são conhecidos como “Al-Andalus” (ocupação muçulmana), sendo o segundo conhecido como “Ftina Al-Andalus” (guerra civil do al-Andalus).

Impacto na Olivicultura

Os três períodos a ocupação mulçumana foi muito positiva para a olivicultura, como o aumento das áreas plantadas, produção e consumo de azeite. O fator que fomentou o aumento da produção e consumo foi a cultura religiosa árabe, pois esta restringia o consumo de gordura animal. A única fonte animal admitida era do cordeiro. Logo o foco era a gordura vegetal, especialmente o azeite.

Além do aumento da produção e consumo, novas técnicas foram aplicadas como o uso de valas para drenagem e sistemas de irrigação. Também forma importados outros cultivares, principalmente no sul da Espanha.

Além disso vários avanços agrícolas forma feitos e registrados em inúmeros tratados e textos sobre agricultura. Esses tratados, normalmente de autores hispanos mulçumanos, foram fortemente influenciados pelas práticas de outras civilizações, como por exemplo gregas, latinas, caldeus orientais, aramaicas, árabes e bizantinas.

Muitos dos termos utilizados até hoje são derivados da influência dos mulçumanos na época, como por exemplo: azeite (al-zayt, que significa “suco de azeitona), lagar (al-ma’sara), aljarafe (al-Šaraf). E muitos outros.

Península Ibérica (Espanha e Portugal) durante a ocupação Mulçumana
Península Ibérica (Espanha e Portugal) durante a ocupação Mulçumana – Al-Andalus

Durante os séculos XI e XII, e ainda sobre o controle mulçumano, a localização geográfica da olivicultura chegou aproximadamente ao que existe hoje. A maior densidade de oliveiras está na Andaluzia, principalmente Jaen, Córdoba e Sevilla. Existem outras regiões com seus olivais, contudo em menor escala, como por exemplo a região de Aragão.

Mas é justamente na região conhecida hoje como Andaluzia, nome oriundo de Al-Andalus (nome que os muçulmanos davam à Península Ibérica) que cultura agrícola da oliveira mais se desenvolveu.

Não que os romanos já não tivessem entendi a importância da região para olivicultura, pois documentos romanos atestam a grande presença na al-Sharaf, ou seja: Sevilha e em Priego de Córdoba. Inclusive o nome Córdoba (Corduba em latim) refere-se a “moinhos de azeite” (lagares).

Ibn Zurhr, ou Avenzoar, (1094- 1162, Sevilha) era o médico mais importante de sua época e escritor de vários livros, inclusive um sobre alimentação: Kitab al-Aghdhiya, onde cita:

um dos melhores azeites é a azeitona pura, extraída da azeitona madura, sem adição de sal ou outro elemento…

Ibn Zurhr

Oliviculta e produção do azeite – Al-Andalus

Além de Sevilha e Córdoba, as principais áreas produtoras eram Coimbra, Baldajoz e Jaén. A produção era suficiente para atender todo o emirado, posteriormente califado, e ainda exporta. Segundo Al-Maqqarî, estudioso, biógrafo e historiador argelino, “…os sevilhanos eram muito ricos. Seu principal produto de comércio eram seus óleos (azeites) enviados para locais distantes, de oeste a leste”.

As plantações eram realizadas com a orientação no alinhamento norte-sul com o objetivo de fazer os ventos predominantes do oeste e leste pudessem atingir de melhor forma todas as oliveiras. Em torno do século XI a paisagem da Península era “decorada” ao norte com cerais, e o sul com vinha, oliveiras e cítricos.

O trabalho no campo ocorria mediante contratos firmados entre “mestre” ou “senhores” e colonos (trabalhadores) que pagavam tributos conforme o tipo de terreno e cultura existente.

No mundo Al-Andalus as oliveiras e seu principal produto, o azeite extra virgem, eram símbolo de riqueza. O uso do azeite não se restringia a alimentação. Diversos eram os usos, como por exemplo cosmética, medicinal, marcenaria, combustível, higiene (sabonete), etc..

Outros usos do azeite na cultura árabe

Graças ao azeite foi possível iluminar as capitais da Andaluzia. O óleo utilizado era obviamente de qualidade inferior.

O uso tópico do azeite extra virgem era defendido pelos cientistas mulçumanos, além de ser apreciado no uso na forma de sabonetes e perfumes. O processo utilizava os frutos não totalmente enegrecidos, em agosto, quando estariam com maior teor de água e com risco de deteriorar.

Azeite ou gordura animal

Na alimentação, os povos ao norte da península Ibérica (cristãos) consumiam prioritariamente gordura animal (banha), hábito reforçado pela herança da invasão dos “Godos”, mais especificamente Visigodos e Suevos. Por outro lado o sul da Península, com maioria mulçumana, usava como gordura praticamente somente o azeite da olivas, tendo como concorrente apenas o óleo de gergelim. Essa divisão dos hábitos é confirmada pelo escritor do século XVI Ruperto de Mola em seus escritos. A preferência dos mulçumanos é explicada pelos preceitos da região islâmica.

Muitas receitas ainda hoje utilizada forma desenvolvidas nessa época, e estavam alinhas ao Halal (“Permitido” em árabe. Trata-se de um padrão ético baseado nos princípios islâmicos e na jurisprudência islâmica no que diz respeito a origem e produção de alimentos, bem como outros produtos). Dessa forma o azeite se tornou muito popular, logo o uso de gordura era praticamente restrito ao azeite, principalmente em frituras.

Dentro da cultura mulçumana haviam dois tipos de azeite. O primeiro extraído de azeitonas verdes (zayt al-unfäq), e o segundo o azeite feito com as azeitonas já maduras (zayt al-zaytün).

Culinária Árabe

A presença do azeite na gastronomia de al-Andalus – território da península Ibérica ocupada pelos mulçumanos – foi uma retomada ao costume de consumo de azeite que havia entrado em declínio durante a ocupação “bárbara”.

Sua utilização variava entre as classes sociais, contudo de forma quase onipresente (mais de 90%) nos tratados andaluzes, mesmo eu a maioria das vezes apenas como tempero. Por outro lado, nos “Zocos” (mercados de praça ou qualquer ao ar livre), o mesmo de preparos muito variados, inclusive frituras diversas.

A cozinha em al-Andaluz trouxe a variedade em aromas e sabores, graças aos temperos – com destaque ao alçafrão, que a fizeram perdurar ante a opção de uma alimentação mais monótona do resto da península.

Não apenas na olivicultura, mas na agricultura de uma de maneira geral, a influência mulçumana ocorreu em diversos aspectos. O resultado final foi a diversificação alimentar devido a diversas espécies cultivadas e mencionadas no início do século XIII na obra do agrônomo Ibn al-Awwam. O agrônomo cita cerca de 400 espécies de alimentos cultivados em al-Andalus.

O resultado foi que no século XV, século de expulsão dos mulçumanos da península Ibérica, a maioria das espécies introduzidas do oriente já estavam incorporadas a cozinha espanhola.

Outra mudança do período al-Andalus foi a criação de uma cultura alimentar com orientações voltadas a uma alimentação saudável, como por exemplo o consumo de produtos próximos (locais) e métodos de conservação de alimentos. Nesse momento o azeite assume mais um papel fundamental na conservação de peixes e carnes diversas, dentre outros. Com destaque para o azeite extraído de forma natural, sem adição de água quente e primeira prensagem, que hoje se aproxima do conhecido por nós como extra virgem.

Um pensamento antigo mulçumano citado por Lucy Bolens – Autora de “Cuisine Andalouse, un art de vivre XI-XII” e “La cocina andaluza”:

Nas definições que abrem o Kitaab al-filaha (Livro da Agricultura), diz-se que essa função é abençoada por Deus porque tem como fim a produção do sustento da vida. A agricultura consiste em restaurar à terra o que foi mobiliado através da colheita dela, fertilizando, regando e fazendo esforços para evitar os problemas causados pelo calor excessivo. Essa restauração ao solo implica um conhecimento do todo – os solos, as plantas, as ferramentas mais adequadas. O equilíbrio (mizān) é o objetivo, ou a reciprocidade entre o que é tirado da terra e o que deve ser devolvido para fazer essa aliança vital com a Natureza durar.

Lucy Bolens

Mais sobre o cultivo

O cultivo das oliveiras em al-Andalus era em sequeiro, tal como a maioria que se espalhou pela Andaluzia, principalmente em Sevilha, Cádiz, Córdoba, Granada e Jaén. Em especial no município de Jódar, localizado no distrito de Jaén, hoje o maior produtor de azeitonas do mundo, e tornando-se ainda no domínio mulçumano “reserva” do califado.

De maneira geral o cultivo seguia o desenvolvido pelos romanos e até hoje encontrados na Andaluzia e Extremadura.

Regiões da Espanha
Regiões atuais da Espanha

Queda dos mulçumanos

Em 27 de novembro de 1095 o Papa Urbano II discursou no Concílio de Clermont convocado a cristandade a pararem com as guerras internas e unirem-se a libertação do território conquistado pelos mulçumanos.

O objetivo eram dois: Livrar a Europa da turbulência dos combates internos e socorrer os cristãos habitantes dos locais ocupados pelos mulçumanos, como por exemplo o Santo Sepulcro que eram ameaçados por turcos e árabes muçulmanos.

Cruzadas

Essa ação da igreja católica veio no futuro a criar o termo “Cruzada” no século XIII, e oficialmente foram 8 voltadas ao oriente. Contudo de forma mais abrangente temos pelo menos mais 3 Cruzadas em direções diversas:

  • Da Península Ibérica para expulsar os mouros (Reconquista) e que resultaria na formação dos reinos de Portugal e Espanha.
  • Do Norte dos reis da Dinamarca e Suécia contra os povos pagãos (eslavos) do norte da Europa
  • Contra os cristãos heréticos, como os cátaros ou albigenses do sul da França.

Rendição mulçumana

Como resultado das cruzadas na Península Ibérica, pelo Papa Inocêncio III mais de 2 séculos antes, em 1212, em 2 de janeiro de 1492 Granada é entregue aos Reis católicos Isabel I de Castela e Fernando II de Aragão.

A rendição, que ocorreu sem conflito, foi o resultado de um acordo negociado por quase 3 meses. Nos termos dessa rendição era prevista a permanência dos muçulmanos que quisessem continuar na península e praticar livremente o islamismo.

Rendição de Granada
Último líder mulçumano rendendo-se em Granada – Espanha

A pesar das garantias estabelecidas no acordo de rendição, o último governante mulçumano, Boabdil (al-Zugabi), foi seguido por diversos outros mulçumanos com destino a locais com dominação pelo Islã. No caso de Boabdil, ele foi para o Marrocos, onde morreu 41anos depois. Em 1600 observava-se que 20% da população do reino de Aragão e 33% da população do reino de Valência era mourisca (espanhóis muçulmanos batizados depois da política pragmática dos Reis Católicos de 14 de Fevereiro de 1502).

Valência
Destaque para região de Valência

O Papa vigente, Alexandre VI, concedeu ao Fernando Aragão e a Isabela de Castela os títulos de Reis Católicos em reconhecimento a expulsão dos mulçumanos em 1492. Nesse mesmo ano Isabela autoriza ao explorador Cristovão Colombo a expedição que viria a descobrir o que pensavam ser as Índias em 12 de outubro, contudo era posteriormente veio a se saber ser um “novo mundo”, as Américas. De uma forma antecipada poderíamos dizer que foi o primeiro passo para introdução das oliveiras na Américas.

Há registros que nas grandes navegações o azeite era item obrigatório das provisões das naus.

Outro desdobramento da conquista da Península Ibérica pelos cristãos foi a criação do Reino de Portugal já contado em Oliveiras pelo Mundo: Portugal.

Abaixo uma visão dinâmica da evolução da dominação étnica-cultural da Península Ibérica ao longo do período de conquista.

Evolução linguística da Península Ibérica

Aqui acaba a primeira parte do Estudo de Caso – Espanha. Por ter chegado até aqui, abaixo um bônus que explica quando surgiu a “Espanha”.

Esperamos que voltem a ler sobre o assunto na Parte – 2. Em breve.

O nome do país – Quando surgiu a unidade espanhola.

Na Península Ibérica se localizavam os reinos de Galiza, Leão, Navarra, Castela, Aragão e de Portugal conhecidos como reinos hispanos. Mas quando por razões dinásticas ou de conquista um deles conseguia ter baixo seu cetro a maior parte da Espanha cristã, se auto proclamava “Imperador totius Hispaniae”, como foi o caso de Sancho o Maior de Navarra, ou de Alfonso VI e Alfonso VII de Leão e de Castela.

O nome “Espanha”, evolução da designação do Império Romano “Hispânia”, era, até ao século XVIII, apenas descritivo da Península Ibérica, não se referindo a um país ou Estado específico, mas ao conjunto de todo o território ibérico e dos países que nele se incluíam… (reinos de Galiza, Leão, Navarra, Castela, Aragão e de Portugal)… A Espanha foi unificada durante o Iluminismo. Até então, era um conjunto de reinos jurídica e politicamente independentes governados pela mesma monarquia…

…Até à data da unificação, a monarquia era formada por um conjunto de reinos associados por herança e união dinástica ou por conquista. A forma de governo era conhecida como aeque principaliterː os reinos eram governados cada um de forma independente, como se tivesse, cada reino, o seu próprio rei. Cada reino mantinha o seu próprio sistema legal, a sua língua, os seus fóruns e os seus privilégios. A constituição de 1812 adopta o nome “As Espanhas” para a nova nação. A constituição de 1876 adota pela primeira vez o nome “Espanha”.

Wikipedia

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